Cecília Seabra

Método, metodologia e comunicação: o que é e como funciona o equilíbrio de interesses

2 de maio de 2022

Oi, gente! Bora de mais uma edição de nius da Ceci?

O papo de hoje tá bom para quem curte compreender os bastidores, como pensamos para estruturar projetos, propostas, caminhos, estratégias. Por que será que sugerimos um determinado conjunto de ações em detrimento de outras para as marcas? E quando o assunto é posicionamento, de onde vêm as ideias? Como faz para dar conta de tanta variável?

Para além da criatividade e do pensamento, A Comunicação Nossa de Cada Dia nos dá hoje uma cutucada no caráter pedagógico que o exercício de toda profissão deveria carregar. Esse caráter é o mesmo que a gente, depois, é cobrada para exercer, por exemplo, em cargos de liderança. Ou então é o que pode fazer a diferença entre um bom relacionamento com clientes, equipes, parceiros (…), dentre outros papeis que assumem as pessoas que nos ajudam a fazer o que fazemos, direta ou indiretamente.

Estou falando de método.

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Vou contar um pouco da minha experiência até estar aqui, escrevendo sobre isso, e o quanto traz ganhos para os projetos, bem como é capaz de fundamentar relacionamentos sinceros, um dos valores que guiam a forma como trabalho.

Começando do começo

Eu passei a ser fã de método quando comecei a dar aulas. Como eu entrei em sala primeiro em MBAs, depois na graduação, e só então fiz mestrado, pude sentir na pele o quanto faz falta.

Sim, em minhas primeiras turmas, eu ficava muito, muito nervosa, porque uma coisa é saber fazer, outra bem diferente é saber levar esse conhecimento em forma de compartilhamento e formação dentro de um espaço cheio de significados como é a sala de aula.

Aos poucos, a experiência na docência, a convivência com pessoas pesquisadoras e o início da minha própria formação em pesquisa me permitiu observar o valor das palavras método e metodologia.

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Ao contrário do que muita gente pensa — inclusive eu, no início da carreira — esse valor não se limita ao aspecto acadêmico do trabalho.

Mercados, uni-vos por mais método e metodologia!

Quanto menor for a distância entre a teoria e a prática, a academia e o mercado, mais teremos condições de avançar como ciência, como campo de conhecimento. Por isso, eu sou mesmo uma promotora de que todas as pessoas, sem exceção, conheçam o valor dos métodos e da metodologia para a maturidade de um projeto.

Vamos lá ao passo a passo do método que eu trabalho, autoral, que batizei de equilíbrio de interessesna falta de um nome mais criativo. Ele começou a ser construído quando eu, na posição de gestora de comunicação de um grupo de educação, criei um projeto de prática profissional em parceria com a coordenação de Jornalismo e passei a acompanhar diariamente a experiência de estudantes em comunicação corporativa. Entre 2019 e 2021, foi consolidado na pesquisa que originou minha dissertação de mestrado e vem sendo aprimorado projeto a projeto.

Agora, vou dividir com vocês um passo a passo de como funciona e o que parece mais trabalho, mas no fim das contas é ganho em fundamentação, clareza, confiança e segurança para o projeto.

1) Parta de um conceito sólido para construção de premissas.

Eu tenho trabalhado bastante com o David Aaker (2015), que posiciona a marca como rosto da estratégia de negócios. Tenho optado por ele porque conversa bastante com os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais contemporâneos, além de ter uma potência pedagógica absurda.

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Vejam bem: quando você explica o que significa marca como rosto da estratégia de negócios, você está explicitando a interdependência entre comunicação e gestão. Quando todos compreendem que aquilo que aparece (a marca) nada mais é do que a parte visível de decisões, priorizações, investimentos, escolhas, assunção de riscos etc., fica claro que não existe milagre em comunicação.

Isto é importante especialmente se você trabalha, ou vai trabalhar, para marcas que acham que pagar fee e contratar pessoas resolve qualquer problema, ou que, se há problema, é porque há falha na comunicação — quem nunca, né não? Ai, minha deusa!

Passo número 1: estruture sua premissa em um conceito sólido e forte.

 

2) Conheça a marca para além dela própria.

Antes de qualquer coisa, é preciso mergulhar da identidade da marca com a qual vai trabalhar. Conhecê-la de verdade requer ir além da pesquisa inicial.

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É preciso imergir na imagem projetada, percebida e na reputação, compreendendo os pontos claros, não tão claros, potências, fraquezas e em que dimensões se estruturam os pilares de credibilidade e confiança.

Nesta etapa, eu executo diagnósticos com as lideranças da empresa, obviamente, mas também com representantes de públicos de relacionamento importantes, que são priorizados a depender do tipo de negócio. Neste momento gosto de recorrer a entrevistas em profundidade, para conseguir capturar o que há nas entrelinhas das percepções. Também pesquiso o setor e a concorrência, em benchmarks qualitativos.

 

3) Assuma que a marca é parte da sociedade.

Esse ponto parece óbvio, mas não é. E por que não? Ora, gente, porque quem tem uma demanda, ou um desafio a superar, tende a colocá-los como as coisas mais importantes. E elas são. Mas isso não significa que sejam para todos. Então, assumir a marca como parte integrante da sociedade ajuda a balizar a ansiedade.

E como fazemos? Aqui começa o equilíbrio de interesses. Neste momento, nós colocamos os interesses da empresa em relação aos problemas da sociedade e dos públicos de relacionamento.

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Neste momento, é claro o caráter pedagógico do método, pois olhar com clareza para os problemas-desafios-demandas de uma marca em relação ao mundo lá fora coloca as coisas com o tamanho que elas realmente têm e para quem elas realmente têm tamanho.

Significa que sim, são importantes. Mas não para todo mundo. E que se quisermos nos posicionar sem essa consciência, ficamos cada vez mais distantes de alguma relevância, podendo soar até mesmo como miopia.

4) Conheça o contexto e como o seu projeto/função/responsabilidade se insere nele.

Qual é a função da sua equipe, ou do seu projeto, no todo da comunicação da marca?

Precisamos urgentemente parar de considerar que somente áreas técnicas comunicam.

Sua marca não será reconhecida como um bom lugar para se trabalhar somente porque conta com um selo. Uma coisa é possuir o selo de bom lugar para trabalhar. Outra, que as pessoas saiam de lá falando que é um bom lugar para trabalhar. Percebem a distância?

Para conhecer o contexto, começamos estabelecendo qual será o território de comunicação da marca, jogando em um quadrante:

  1. Identidade institucional (como a marca se posiciona)
  2. Interesse da empresa
  3. Interesse público, da sociedade
  4. Interesses dos públicos de relacionamento
  5. Interesses dos públicos sob responsabilidade direta da comunicação

Tudo isso em relação aos elementos de contexto, que já mapeamos.

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Neste momento, começamos a compreender mais claramente os riscos que um determinado posicionamento poderá ter para a imagem e a reputação da marca.

5) Tenha noção real do que você tem de material para trabalhar.

Em um caminho que aponta ao pós-propósito para a comunicação das marcas, não podemos dispor só de elementos aspiracionais para sustentar uma boa comunicação. Este é o momento que contar com jornalistas na sua equipe pode fazer a diferença na qualidade dos conteúdos identificados a partir de apuração e checagem, principalmente.

Boas histórias encontram pessoas.

Vejam bem: ainda não estamos falando de ações de comunicação, mas sim do que temos de real e que pode ir ao encontro de todos os interesses que identificamos, em dois eixos.

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Na perspectiva mais próxima (ou “interna” para as empresas que adoram essa nomenclatura), em diálogos com fontes e porta-vozes institucionais e com pessoas que representem os públicos com os quais o projeto vai dialogar diretamente.

Já no mundo lá fora, (ou da perspectiva “externa”), vamos levantar históriasem apuração com base no que importa para a sociedade e para nossos stakeholders.

6) Siga uma estratégia de conteúdo unificada, para compreender aonde devem ir seus esforços táticos.

Ok. Mas como falar sobre todas as coisas que podemos e que identificamos até aqui?

Este é outro ponto que parece óbvio, mas o que mais existe é estratégia de conteúdo para cada uma das frentes de comunicação (e marketing, e relacionamento, e experiência…). O problema? Elas geram percepções diferentes, desalinhamento de imagens e fragilidade reputacional, dentre outros.

Quanto mais estruturado for o posicionamento de uma organização e sua estratégia de conteúdo, mais será possível potencializar seus elementos identitários, não importa em qual área estejam os desafios, necessidades, ou demandas. Isto enquanto podemos estar direcionados à atração, conversão, fidelização…

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No meio do quadrante, temos a estratégia de conteúdo. Neste método, eu adoto três camadas de profundidade para os temas:

  • Eixos – dimensões amplas, que posicionam a empresa naquilo que é importante para ela e está em linha com sua identidade. Ex.: pessoas. Trata-se de um elemento que posiciona, mas não diferencia. Quanto mais maduro e próximo for o relacionamento com um determinado público, menor será a necessidade de aprofundar a comunicação.

Agora, e se estivemos nos digirindo a pessoas que ainda não conhecem a marca suficientemente para saber o que significa pessoas para ela?

É aí que precisamos das temáticas.

  • Temáticas – dimensões mais aprofundadas dos eixos. Para descobrir, a gente “pergunta” o que é um determinado eixo para a aquela marca. Ex.: valorizar e investir no desenvolvimento dos colaboradores; proporcionar experiências positivas para todas as pessoas que convivem conosco; construir relacionamentos duradouros.

E de onde tiramos essas temáticas? Do que sabemos que a marca faz de verdade. Gestão e Comunicação. Marca como rosto da estratégia de negócios. Vamos falar sobre o que fazemos e temos como comprovar por meio do que já apuramos.

Ocorre que a depender do relacionamento e do nível de conhecimento do público com o qual eu vou me comunicar, dizer que eu tenho pessoas como um pilar importante para minha atuação, e que isso significa proporcionar experiências positivas para aqueles que convivem comigo, pode, ainda, não ser suficiente.

É aí que entram em campo as mensagens-chave.

  • Mensagens-chave – vão explicar o que a marca entende como experiência positiva e como elas são entregues. Normalmente, escrevemos um parágrafo que, aí sim, tem que representar um diferencial da marca em questão em relação à sua concorrência direta e, se possível, em relação à sua concorrência de comunicação também (qual sejam outras organizações que podem falar com propriedade sobre os mesmos temas).

7) Aí sim, parta para a tática.

Somente depois de compreender como a marca como rosto da estratégia de negócios se interesse na sociedade e pode dialogar com relevância para os públicos da comunicação; que, por sua vez, são parte dos públicos de relacionamento da marca, e que são, todos, impactados pelo produto do trabalho de muitas outras pessoas que não somente aquelas que fazem parte da comunicação, é que pensamos na tática.

Como fazer para sermos relevantes para os públicos que nos interessam, em apoio ao negócio?

Então, vamos saber se esses públicos estão em uma ou mais redes e/ou mídias sociais, que tipo de meios temos que ocupar, com que tipo de formato de mídia (imagem, vídeo, áudio, texto…) e em que frentes de ação — precisa de agência, assessoria de imprensa, RP, eventos, influencers, ativações, branded content, campanhas, patrocínios, como comunicar a sustentabilidade…?).

Equilibrar interesses é potencializar investimentos e resultados. Ainda, desenvolver as pessoas que compõem o negócio no entendimento da comunicação como um ativo estratégico e, assim como tal, inter-relacionado às decisões da gestão.

Ele pode ser agregado aos exercícios estratégicos e de gestão de marca, para ser desdobrado por todas as áreas e funções que comunicam e geram experiências e percepções sobre ela para seus públicos.

Eu utilizo sempre que preciso ligar a comunicação à estratégia de negócio, seja para uma entrega em forma de treinamento, palestra, projeto, ou mesmo execução do serviço.

O que parece muito trabalho é, ao fim, clareza para todos os envolvidos e um ambiente sincero de relacionamento, onde todos têm acesso às informações e ao racional que fundamenta a recomendação de caminhos e o estabelecimento de metas tangíveis e contributivas para o todo do negócio.

Espero que tenham curtido conhecer um pouco mais sobre os bastidores da Ceci, sobre o tipo de discussão que temos com nossos clientes e com as pessoas que se unem a mim para multiplicar o divirta-se, trabalhe, divirta-se.

Agora me contem: vocês trabalham com métodos ou com autores preferidos? Bora trocar ideia.

Referências:

  • Os prints com definição das palavras Método e Metodologia são do app do Houaiss para computador.
  • Os prints de tela são de materiais autorais meus, de aulas, palestras e projetos.

 

Fiquem com aquele abraço e até a próxima nius da Ceci, com mais assuntos sobre A Comunicação Nossa de Cada Dia ;)

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