O festival de cinismo que tem desafiado os sentidos de qualquer pessoa que não esteja entre os 24%[1] que aprovam o governo e a pergunta “o que a CPI da Covid evidencia sobre a comunicação nossa de cada dia” abre avenidas para a gente discutir.
É claro que não vamos dar conta de tudo. Por esta razão, este artigo foca em três pontos. Estes, têm chamado a minha atenção desde o dia 12 de maio, quando o ex-secretário de comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten, prestou depoimento. Isto porque são questões que a gente precisa discutir como sociedade, da mesma forma que nos mobilizamos para cancelar as celebs que não seguem as regras de etiqueta virtual da Keila Mellman.
Foco no roteiro
- Mentira dita.
- Print exibido.
- Cara de pau.
- Próxima pergunta.
- Mentira dita.
- Gravação reproduzida.
- Cara de pau.
- Próxima pergunta.
E vamos aos três pontos
Viver na bolha é uma escolha.
É impossível negar que as bolhas têm suas vantagens e confortos. Afinal, não é lindo um mundo à nossa imagem e semelhança, no qual todos acham igual (o verbo achar está aí intencionalmente), odeiam igual, idolatram igual…
Significa dizer que esse mundo é o da comunicação do igual, simplificada, sem arestas, sem necessidade de diálogo, porque é feita para ser viral e se espalhar rápido, assim mesmo, como o vírus que já matou 442.000 pessoas.
Por isso, quando o assunto é bolha, o que a CPI da Covid evidencia sobre a comunicação nossa de cada dia é que, ainda que você viva nela, esta não é a única. Ou seja, ainda que você acredite que tudo que você acha normal o é, que talquei ser governado por memes, você não é todo mundo. Se preferir, ainda que você odeie, tem gente que ama. Ou mesmo ainda que você idolatre, tem gente que resiste no senso crítico.
Goste ou não, o jornalismo salva.
Jornalista, ô raça! Quem aí é coleguinha e está lendo isso já perdeu as contas de quantas vezes ouviu essa frase.
Mas, gente, em um governo autoritário e genocida, não fosse o jornalismo estaríamos todos na bolha da turma do presidente. Ou seria na chapa? Existe bolha na terra plana? Enfim, foco, Ceci.
No entanto, é das redações da imprensa tradicional, independente, de checagem, dos jornalistas independentes, como o Rubem Berta, que vêm os fatos que confrontam a desinformação, o tratamento precoce, o eu não disse isso, só faltou oxigênio em Manaus por três dias e paro por aqui porque me sobre a pressão.
Acima de tudo, o que a CPI da Covid evidencia sobre a comunicação nossa de cada dia neste caso é que, quando o assunto é jornalismo, ruim com ele, muito pior sem.
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Como todos os profissionais, nós erramos. A dita mídia tradicional e seus meios de produção tem horas que nos fazem sentir vergonha do diploma. Se crítica de mídia no país fosse um bebê, estaria na fase de aprender a rolar. Tudo isso é verdade.
No entanto, o jornalismo é um processo. Apesar do sufocamento da pesquisa, um monte de gente dedica suas vidas, seu tempo e, na grande maioria das vezes, seu dinheiro para avançar no conhecimento em jornalismo e comunicação. Nesse processo, ganha a sociedade.
A mesma rede social que te ajuda a propagar desinformação e incitar o ódio vai permitir te desmascarar.
Licença, Lavoisier: no digital nada se apaga e nada se elimina, tudo se printa e compartilha. Alguém precisa avisar à turma.
(sim, essa dica serve também para você que está aí colecionando biscoitos com hashtag eu mereço)
Nesse sentido, a CPI da Covid evidencia sobre a comunicação nossa de cada dia neste tema é que, cedo ou tarde, ou antes tarde do que mais tarde, o virtual encontra o real. Não somente em relação ao on e off-line, mas também ao que você acredita e o que de fato acontece, que nem sempre são a mesma coisa.
Furar bolhas é um dever.
Um dever nosso.
Por isso, olhar crítico e uma dose de realidade diária são fundamentais para relativizarmos nossas verdades absolutas, crenças, certezas e até mesmo angústias em um país com quase meio milhão de mortos e 116 de famintos.
Então, a CPI da Covid evidencia sobre a comunicação nossa de cada dia é que todos podemos estar mais atentos. Se até o Renan Calheiros (quem diria que um dia estaríamos aqui aplaudindo) entendeu que é preciso checagem, é para parar e refletir se já não é hora de questionar mais e reagir menos.
Dicas de leitura para expandir as discussões sobre esses temas:
- A dificil democracia. Boaventura de Sousa Santos. Boitempo.
- Big Tech: a acensão dos dados e a morte da política. Evgeny Morozov. Ubu.
- Corpos em aliança e a política das ruas. Angela Davis. Civilização Brasileira.
- Mídia, propaganda política e manipulação. Noam Chomsky. WMF Martins Fontes.
- Mulheres, cultura e política. Angela Davis. Boitempo.
- Os engenheiros do caos. Giuliano da Empoli. Vestígio.
- O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Eli Pariser. Zahar.
- Pós-verdade e fake news: reflexões sobre a guerra de narrativas. Mariana Barbosa (org.). Cobogó.
- Sociedade da Transparência. Byung-Chul Han. Editora Vozes.
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